Em "O amor de uma boa mulher" — publicado originalmente em 1998 e vencedor, nos Estados Unidos, do National Book Critics Circle Award —, Alice Munro oferece ao leitor mais uma fornada de seus contos de fôlego, marcados pela destreza dos planos cinematográficos e pelo olhar duplo, ao mesmo tempo panorâmico e intimista. A canadense fez das pequenas cidades espalhadas pelo condado de Huron o território privilegiado de sua ficção e detecta nas franjas do meio rural aqueles indivíduos de algum modo deslocados da norma. A velhice, a doença, o transtorno mental ou
a simples diferença com relação à maioria pontuam os textos.
Em Munro, há uma intuição de que a condição feminina se conecta por vários caminhos com a marginalidade. Uma personagem do conto “Jacarta” sobrevive dando aulas de ballet depois que o marido jornalista supostamente morre num país distante; a protagonista de “Ilha de Cortes” deseja ser escritora, mas fracassa; Pauline, a jovem mãe de “As crianças ficam”, tem uma aparência peculiar que a faz ser convidada para interpretar o papel de Eurídice numa montagem teatral amadora, experiência que irá transformar a sua vida.
Retrocedendo da atualidade à década de 1950, as narrativas flagram um período em que, para as mulheres, o trabalho muitas vezes servia apenas como um intervalo entre o casamento e a chegada do primeiro filho. Na verdade, tratava-se de um hiato particularmente propício ao desconforto, pois aqueles foram os anos que precederam a Revolução Sexual.
A posição gauche dessas mulheres as aproxima de zonas mentais obscuras, colocando-as em xeque diante da vida social. É como se a precisão do roteiro traçado para os homens se opusessem à precariedade e à deriva dos destinos femininos.
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