Monday 18 April 2011

ÓSCAR E A SENHORA COR DE ROSA - Eric- Emmanuel Schmitt


Eis uma dica da minha comadre Lucia.

Há uma série de livros importantes na minha formação médica, embora não tratem de temas médicos… Fazem parte desta série “A misteriosa chama da Rainha Loana” de Umberto Eco, “ O homem que confundiu a mulher com um chapéu”, de Oliver Sacks, ou “Quando Nietchze chorou”, de Irvin D. Yalom .

Mas na hora de escolher um não resisti à voz infantil do Óscar que, do alto da sua sabedoria de dez anos, diz

“Chamo-me Óscar, tenho dez anos, peguei fogo ao gato, ao cão, à casa (acho que até grelhei os peixes vermelhos) e é a primeira carta que te mando porque dantes, por causa dos estudos, não tinha tempo. Desde já te aviso: detesto escrever. É mesmo preciso ser obrigado. Porque escrever é grinalda, pompom, rendinha, fita, etc. Escrever é apenas uma mentira que ornamenta. Uma coisa de adultos.”

Óscar é a personagem principal do livro “Óscar e a senhora cor de rosa” de Eric- Emmanuel Schmitt, que nos fala das cartas que um menino escreve a Deus, quando aceita um jogo proposto pela senhora cor de rosa, vivendo cada dia como se esse dia valesse dez anos. Fala também de uma menina apaixonada pelas doenças, cujo livro preferido é o Dicionário Médico, onde não existem palavras importantes como morte, vida, fé ou Deus.

Óscar acha estranho que um livro tão sério como o Dicionário Médico só fale de coisas particulares, “problemas que podem acontecer a este ou àquele sujeito. Mas não estão lá as coisas que nos dizem respeito a todos: a Vida, a Morte, a Fé, Deus.” A resposta da vóvó Rosa a esta questão explica porque é que partilho convosco este livro :

“...as perguntas mais importantes permanecem perguntas. Encerram um mistério. A cada resposta devemos acrescentar um “talvez”. Só as perguntas sem interesse têm uma resposta definitiva.”

Ana Maria Ferrão

Médica de família - USF Marginal
Fonte:http://www.mgfamiliar.net/livrosanaferr.htm



Querido Deus, tenho uma coisa para Te pedir. Eu sei que só tenho direito a um desejo, mas o meu desejo de há pouco quase nem era um desejo, era mais um conselho. Aceito uma visitinha. Uma visita em espírito. Acho que ia ser emocionante. Gostava que me fizesses uma visita dessas. Estou disponível das oito da manhã às nove da noite. No resto do tempo durmo. Às vezes até durante o dia dormito um pouco, por causa dos tratamentos. Mas, se me encontrares assim, não hesites em acordar-me. Seria um disparate falharmos o encontro por causa de um minuto, não achas?"



Este é um pequeno excerto de um delicioso livro chamado "Óscar e a Senhora Cor-de-Rosa". É uma obra que já foi posta em teatro e que permaneceu em cartaz em Lisboa, julgo que durante 6 meses ou talvez mais.
São as cartas que Óscar, um rapazito de onze anos, doente de cancro, internado num hospital pediátrico, escreve a Deus. Estas cartas foram encontradas pela Vóvó Rosa, a Senhora Cor-de-Rosa, uma senhora que o visitava no hospital. Estas cartas descrevem os últimos doze dias da vida de Óscar, os últimos doze dias de uma qualidade de vida, de uma densidade de poesia, de amizade e de humanidade, de ternura, cheios de personagens que a Vóvó Rosa, com a sua delicadeza envolvente, consegue suscitar em Óscar. Não posso deixar de citar outro pequeno excerto desta conversa:

"- Vóvó Rosa, porque é que o teu Deus permite que isto seja possível, pessoas como a Peggy e eu?
- Felizmente que Ele vos fez, querido Óscar, já que a vida seria menos bela sem vocês.
- Não, não está a perceber. Porque é que Ele permite que fiquemos doentes? Talvez Ele seja mau. Ou então não bate lá muito bem da bola!
- Óscar, a doença é como a morte. É um facto, não é um castigo.
- Bem se vê que não está doente!
- Tens a certeza disso, Óscar?
Fiquei zonzo. Nunca tinha imaginado que a Vóvó Rosa, que é sempre tão disponível, tão atenciosa, pudesse ter os seus próprios problemas.
(...)
- Gosto muito de ti, Óscar.
- Eu também gosto muito de si. O que é que eu posso fazer por si, que tem tantas chatisses? Quer que a adopte?
- Adoptares-me?
- Sim, já adoptei o Bernardo, quando vi que andava tristonho...
- O Bernardo?
- O meu urso. Ali. Dentro do armário... É o meu velho urso, já não tem olhos, nem boca, nem nariz..."

Gostaria hoje que pensássemos: quantas senhoras cor de rosa tenho tido na minha vida e continuo a ter? Pessoas que me fazem descobrir a beleza da amizade, do amor, da solidariedade, a beleza da vida e de Deus?
E gostaria que fossemos ainda mais longe: às vezes sobra-nos tempo e temos condições de nos tornarmos para os outros "senhoras cor de rosa" , de lhes fazer leve a vida, de os acompanharmos, compreendermos, de re-criar a vida. E fazêmo-lo? Concerteza que se o fizéssemos iriamos construir um mundo mais cordial e humano.

Termino esta reflexão com aquilo que a Vóvó Cor de Rosa diz quando o Óscar morre:

"Querido Deus:
O rapazinho morreu. Serei sempre a Senhora Cor de Rosa, mas nunca mais serei a Vóvó Rosa. Só o era para o Óscar.
Obrigada por me teres dado a conhecer o Óscar. Graças a ele eu era divertida, inventava lendas, até dei por mim como praticante de luta livre. Graças a ele vi e conheci a alegria. Ele ajudou-me a crer em Ti. Estou cheia de amor, o amor abrasa-me, ele deu-me tanto amor que o tenho para todos os anos que hão-de vir.
Nos últimos três idas o Óscar tinha um letreiro na mesa de cabeceira. Acho que isto Te diz respeito. Tinha lá escrito "Só Deus está autorizado a acordar-me".
Até breve.
Vóvó Rosa"

2 comments:

  1. Boas,
    Ando á meses em busca deste livro (sem grande sucesso, pois penso que deixou de ser editado pela Ambar há já uns aninhos), pelo que gostaria de lhe perguntar se conhece alguma livraria que ainda o tenha para venda ou alguém que queira vender uma cópia em 2ª mão :)
    Muito obrigada.
    Elsa Pires

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  2. Elsa, como estas? Obrigada pela visita. Este livro pode ser localizado no www.estantevirtual.com.br
    Abracos
    Andrea

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